Análise da responsabilidade civil nas operações de permuta em negócios imobiliários.

Ainda sob o reflexo da crise econômica instalada no Brasil desde 2012, a atividade imobiliária foi um dos segmentos mais afetados, seja no ponto de vista social, econômico e até mesmo nas relações jurídicas formadas em torno da formatação dos negócios. A retração econômica associada às mudanças nas regras de financiamento dos bancos (públicos, em especial) causaram um sensível achatamento no mercado imobiliário. As estatísticas são implacáveis – em dezembro de 2014, mais de 33 mil imóveis foram financiados para compra, ao passo que em novembro de 2017 foram pouco mais de 8 mil, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (ABECIP).

Diante desse sinuoso ambiente, as empresas do ramo imobiliário, para se manterem competitivas, acabaram buscando diferentes estratégias mercadológicas, fazendo uso da criatividade jurídica e inovando na formatação das suas avenças. Através de processos colaborativos, naturalmente foi formada, principalmente entre os proprietários de terrenos, construtoras, incorporadoras e corretores de imóveis, uma gama de parcerias com vistas à viabilização de um empreendimento imobiliário. Isso é próprio do mercado.

Incorporadoras e construtoras, buscando minimizar o risco e investimentos no empreendimento imobiliário a ser lançado, acabam por firmar com proprietários de terrenos negócio diverso de compra e venda comum. Por meio de um pacto colaborativo, recebe (permuta) unidades que vão ser construídas como pagamento pela cessão do imóvel. A ideia da parceria parece bem apropriada, entretanto o problema surge quando o empreendimento fracassa, restando, pois, uma questão a ser respondida: quem é o responsável pelos danos causados aos terceiros, adquirentes das unidades autônomas comercializadas (dos incorporadores, dos donos do terreno, ou de ambos)?

A solidariedade legal, cuja fonte é a vontade do legislador refletida na própria lei, existe para dar maior garantia às relações jurídicas em que, pela natureza da atividade econômica, há um risco assumido por quem acaba integrando o negócio jurídico. No caso da Lei n.º 4.591/64 que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, tem claramente em seus dispositivos legais o estabelecimento da solidariedade entre os agentes.

Para melhor entendimento, incorporação imobiliária é um negócio jurídico que, nos termos previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei n.º 4.591/64 e tem por finalidade promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações compostas de unidades autônomas. De acordo com a Lei de Incorporações, o incorporador somente poderá ser o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste, o promitente cessionário, com título irrevogável do imóvel objeto do empreendimento imobiliário, o construtor ou o corretor de imóveis do empreendimento imobiliário, mediante mandato, por instrumento público, outorgado pelo incorporador.

O incorporador responde civil e criminalmente pela consecução do empreendimento imobiliário desenvolvido de acordo com a Lei n.º 4.591/64, como forma de garantir aos adquirentes dos imóveis maior segurança jurídica e proteção patrimonial em face dos riscos inerentes a esse negócio. Na esfera criminal, responde pessoalmente o incorporador, o sócio, o diretor, o administrador, o construtor e/ou o corretor, respectivamente, pelo crime ou pelas contravenções penais relativas à economia popular, tendo em vista que a incorporação contempla a captação de recursos do público, nos termos dos arts. 65 e 66 da Lei de Incorporações.

Na esfera civil, o incorporador é o responsável, por excelência, pela conclusão e entrega do empreendimento imobiliário aos adquirentes das unidades autônomas, ainda que não tenha concorrido para o evento danoso. No caso de existir mais de um incorporador relacionado ao mesmo empreendimento imobiliário, responderão estes, solidariamente, pelo respectivo empreendimento imobiliário. Veja-se o disposto no artigo 31 da Lei n.º 4.591/64:

Art. 31. A iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias caberão ao incorporador, que somente poderá ser:

  1. a) o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário com título que satisfaça os requisitos da alínea a do art. 32;
  2. b) o construtor (Decreto número 23.569, de 11-12-33, e995, de 31 de dezembro de 1941, eDecreto-lei número 8.620, de 10 de janeiro de 1946) ou corretor de imóveis (Lei nº 4.116, de 27-8-62).

Assim nos ensina Evaldo Augusto Cambler (Responsabilidade civil na incorporação imobiliária, 2. ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 205/206) aqui transcrito:

“(…) o caput do art. 31 da LCI estabelece que a iniciativa e responsabilidade pela incorporação imobiliária será do incorporador, podendo assumir esta qualidade quaisquer das pessoas enunciadas nas letras a e b (construtor, corretor, proprietário ou titular de direitos aquisitivos do terreno). Existindo mais de um incorporador, ambos serão solidariamente responsáveis, não importando qual o tipo de incorporação, forma de sua constituição, ou existência de período de carência (art. 31, § 3º)”.

Desta maneira, os diversos agentes envolvidos no entabulamento do empreendimento passam a ser considerados co-incorporadores. Neste diapasão e ainda seguindo o pensamento do ilustre Evaldo Augusto Cambler, os adquirentes podem exigir de qualquer dos incorporadores, isoladamente ou de todos, conjuntamente, a totalidade da prestação ou a divisão da responsabilidade, sem qualquer benefício de ordem, ficando os co-incorporadores pessoalmente obrigados, respondendo solidária e ilimitadamente com todos os seus bens.

A relação entre o incorporador (e co-incorporadores) com os adquirentes das unidades autônomas torna-se ainda mais rígida por ser considerada de consumo, uma vez que o incorporador é equiparado ao fornecedor de serviços, a unidade autônoma a ser construída é qualificada como produto e o adquirente caracteriza-se como consumidor final, submetendo-se, assim, às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Acrescente-se que a norma consumerista é categórica ao afirmar a responsabilidade solidária dos envolvidos no empreendimento, conforme o disposto no artigo 25 e parágrafos:

Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

  • 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.
  • 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação.

Compreende-se, assim, que o proprietário do terreno, que através de pacto colaborativo com construtor ou incorporadora participa do empreendimento imobiliário com o recebimento futuro das unidades autônomas a serem construídas, à luz da legislação específica pode, nestas circunstâncias ser compreendido como co-incorporador. Desta forma, torna-se inafastável a responsabilidade solidária  pelas obrigações que dali advierem , tanto à incorporadora tradicionalmente considerada, quanto aos demais co-incorporadores.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. LEI Nº 4.591, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1964. Dispõe sôbre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Online [S.I.]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4591.htm

BRASIL. LEI N.º 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Online [S.I.]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4591.htm

BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil. Online [S.I.]. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4591.htm

CAMBLER, Everaldo Augusto, Responsabilidade civil na incorporação imobiliária/ Everaldo Augusto Cambler. – 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

PERALTA. Barbara Heliodora de Avellar. A responsabilidade civil do incorporador e do construtor, sob o ponto de vista consumerista. << Disponível em >>http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6588

REZENDE, Afonso Celso F., Incorporação Imobiliária, instituição de condomínios e loteamentos urbanos: prática nos processos/ Afonso Celso F. Rezende, Alencar Frederico, Luiz Geraldo Moretti. – 11. ed. – Campinas, SP: Millenium Editora, 2013.